Vannildo Mendes - O Estado de S. Paulo
Estão na lista vítimas, testemunhas e autores de assassinatos e
torturas durante o regime militar (1964-1985). Nesta entrevista ao
Estado, o coordenador da comissão - cujo mandato vai até 16 de maio -
diz que o trabalho não se limitará a apurar a autoria material dos
crimes. "Vamos levantar toda a cadeia de comando, desde o general
presidente ao torturador que utilizava o pau de arara."
Pinheiro afirma, porém, que não pretende dar, no momento, publicidade
a eventuais descobertas. "Isso é perturbar o trabalho dos
investigadores", diz ele, numa clara contraposição a seu antecessor na
comissão, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles. "Não
podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os
acusados no banco dos réus", diz Pinheiro, segundo quem as informações a
partir de agora só serão tornadas públicas após a entrega do relatório
final da comissão à presidente Dilma Rousseff, em maio de 2014.
Limitada pela Lei de Anistia, a comissão não pode punir,
processar agentes da ditadura envolvidos em crimes. Para que serve a
comissão, então?
Nenhuma das comissões da verdade que
existiram no mundo depois da primeira - em Uganda (1974) - teve caráter
de tribunal, nem de órgão do Ministério Público. Elas surgiram no nosso
continente depois do processo de transição das ditaduras militares. O
que se vê na Argentina hoje (antigos mandatários do governo no banco dos
réus) aconteceu depois da Comissão Nacional de Desaparecidos, que foi a
mãe das comissões da verdade na América do Sul, dirigida por (Ernesto)
Sabato entre 1983 e 84. Nenhuma comissão pune nem emite sentença. Não
somos um tribunal. A nossa comissão, inclusive, tem mais poderes do que
várias no mundo e no Cone Sul.
Quais são esses poderes?
Temos acesso a todos os arquivos, sem
limitação de sigilo. Podemos convocar qualquer cidadão brasileiro, civil
ou militar. Se os convocados não comparecem, caem num tipo penal que
cabe ao Ministério Público investigar. Nós não vamos punir porque
nenhuma comissão da verdade puniu. A lei é muito precisa nos tipos de
crime que podemos investigar: detenção arbitrária, desaparecimento,
tortura e assassinatos, sem os constrangimentos que a Lei da Anistia
impõe à jurisdição penal dos tribunais.
A Lei da Anistia não é limitadora?Não ajuda
nem atrapalha. O que importa é que a compreensão dos fatos desse período
no Brasil vai ser diferente após a comissão. Será dividida em antes e
depois do nosso relatório final.
Qual o foco agora dos trabalhos?As comissões
da verdade têm uma centralidade nas vítimas e suas famílias. Conhecer a
verdade é fundamental primeiro para as famílias das vítimas; segundo
para ir além de uma visão ideologizada, não compatível com a realidade
do período ditatorial. Como até hoje quase nenhum responsável pelos
crimes foi sequer nomeado, então a comissão terá um trabalho
extraordinário.
Se o objetivo básico é revelar a verdade, por que tomar depoimentos em sigilo, proteger os autores?
Tudo vai estar no relatório final. Tenho
certeza de que a comissão vai revelar as cadeias de comando, algo que
jamais foi explicitado na história brasileira. Cadeias de comando que
iam desde o general presidente até o torturador que usava o pau de
arara.
Por que não divulgar os nomes assim que eles são descobertos?Não
podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os
acusados no banco dos réus. Nós não temos esse banquinho, não temos essa
encenação do tribunal. E não dá para fazer isso a conta-gotas. Isso é
perturbar nosso trabalho.
Mas a opinião pública não tem o direito de acompanhar?Não
estamos trabalhando em segredo. Não tem segredo nenhum. Temos um site
razoável, com transparência e temos atividades públicas a todo momento.
Agora, revelar a todo instante, não. Agora mesmo estamos investigando o
caso de três torturadores, mas tem os outros da cadeia de comando. Eles
têm que revelar os nomes. E não vamos ficar revelando a cada momento o
que vamos fazer.
Os órgãos militares de inteligência entregaram o que foi pedido ou boicotam a comissão?Hoje
há no Arquivo Nacional 16 milhões de páginas. Por volta de 40% estão
digitalizadas. Sem digitalização a gente não tem como ler. É preciso o
robozinho que lê 20 mil páginas por minuto para os cruzamentos. No que
diz respeito aos órgãos de informação temos uma parte importante, mas há
materiais faltando. Se ficarmos nesse debate - se queimou ou não
queimou (arquivos militares) -, a gente não vai a lugar nenhum. Na hora
que julgarmos adequada, se nossas demandas forem satisfeitas ou não,
revelaremos. Mas agora o que temos é o apoio total do Ministério da
Defesa e um diálogo construtivo com os comandantes militares.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,comissao-vai-revelar-cadeias-de-comando-de-general-a-torturador,1009615,0.htm
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