Problemas que vieram à tona na Biblioteca Nacional e no Arquivo
Nacional, expondo fragilidades estruturais nos prédios que abrigam os
acervos das duas das mais importantes instituições depositárias da
história política e cultural do Brasil, são mais uma evidência de que o
país não é particularmente zeloso com sua memória. Debilidades de
instalações físicas, do que resultam transtornos como infiltrações,
comprometimento ambiental, refrigeração deficiente etc., se agravam mais
por leniência administrativa do que pela idade dos imóveis. É justo,
portanto, atribuir principalmente à ação (antes, à sua falta) do homem, e
não à fatalidade, a responsabilidade pelos reprováveis episódios em
que, na Biblioteca e no Arquivo, a preservação de preciosas peças do
nosso passado — portanto, insubstituíveis — vive submetida a riscos.
Caso
mais recente, a infiltração de água no Arquivo Nacional, durante um
temporal no Rio, semana passada, era tormenta anunciada. A chuva invadiu
o prédio pelo teto — que, segundo funcionários, já estaria sofrendo com
vazamentos e deficiências na impermeabilização desde 2012—, alagando
salas e encharcando caixas e prateleiras com documentos públicos raros.
Chover forte no Rio não é novidade; imóvel antigo, por sua vez, reclama
manutenção e reparos constantes. São fatores que reforçam o papel da
gestão em iniciativas que ajudem a conservar as construções e a
assegurar a integridade dos tesouros históricos que elas abrigam.
Na
invasão das águas foram atingidos originais do Tribunal de Segurança
Nacional relativos à Era Vargas, caixas com informes dos serviços de
informações da ditadura e com documentos da época de dom João VI, além
de computadores. O teto dos refeitórios desabou, e textos originais da
Lei Áurea só não foram danificados porque estavam em exposição numa sala
a salvo do alagamento. Merece registro (negativo) o fato de os papéis
do TSN encharcados estarem armazenados em recipientes de papelão, em vez
de depósitos apropriados para esse tipo de arquivo.
Ano passado,
ocorreu desastre semelhante na Biblioteca Nacional. Defeitos no sistema
de refrigeração provocaram vazamentos que inundaram alguns andares, e
resultaram em problemas como estantes que davam choque e comprometimento
de documentos e jornais do acervo. Relatos de funcionários alertaram
para frequentes ameaças de pragas de cupins, brocas e traças, e a
presença de ratos nas salas. Eles chegaram a promover, em protesto, uma
bem-humorada manifestação para “comemorar” o aniversário das baratas que
infestavam o prédio.
As respectivas administrações seguiram o
protocolo de providências, reclamando da falta de verbas e enviando
pedidos de socorro a Brasília. Esta não é a questão. Trata-se de um
problema de fundo estratégico: ou o poder público adota uma política
comprometida com a preservação da memorabilia nacional ou a memória do
país permanecerá sob o risco de desaparecer.
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