sábado, 23 de fevereiro de 2013

Queima de arquivo


Em dez anos de pesquisa em arquivos de Fortaleza, já vi de tudo. Páginas cortadas com estiletes, grifos de caneta esferográfica em documentos centenários, papéis empilhados sem identificação e jornais ressecados e despedaçados por falta de conservação. Todos estão condenados, e não há backup. Na festejada "era da informação", é com perplexidade que vivencio a condição dos acervos públicos. O acesso é limitado (para não dizer precário) aos mais diversos materiais, com fins de pesquisas científicas ou mesmo para buscar a comprovação de direitos de cidadãos. Eventuais projetos com melhorias, muitas vezes nos campos da boa vontade ou do improviso, parecem entregues às traças. Literalmente.
Os arquivos da cidade costumam ser lugares pouco atrativos ou até mesmo hostis para o público em geral, carentes de dinamismo, esvaziados e sem sentido para a maioria. Alguns funcionários comprometidos, desvalorizados porque “mexem com papel”, fazem o que podem, salvam obras raras das goteiras ou fazem restauros por conta própria.
Diante dos cenários antiquados e desoladores dessas instituições públicas, me pergunto como andam as políticas de recolhimento de documentos, se existe algum programa de gestão dessas informações, se haveria a previsão de recursos financeiros e profissionais especializados para trazer o mínimo de eficiência ou algum planejamento dos espaços para receberem novos materiais e usuários.
Alguma intenção de sistematizar a digitalização dos acervos e disponibilizar o material online, mesmo em doses homeopáticas? Ideias para que esses espaços dialoguem com as escolas, as universidades e a própria cidade, quebrando o ciclo de desinteresse e desconhecimento dos acervos? Além de reformas urgentes, há a necessidade de uma mudança que responda aos velhos e novos desafios.
Talvez sejam preocupações irrelevantes para muitos. Mas há historiadores no alto escalão, o que só aumenta o constrangimento diante de arquivos tratados como depósitos e da impossibilidade do exercício do direito à informação nestes espaços públicos de Fortaleza.
Luciana Andrade
luciana.andrade@gmail.com
Jornalista e doutoranda em história na PUC-SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário!