quarta-feira, 27 de junho de 2012

Câmara municipal: a “casa do povo” virou caixa-preta

Em ano eleitoral e de estreia da Lei de Acesso à Informação, nenhuma câmara oferece todos os dados que os eleitores precisam para avaliar os vereadores. Nas capitais, onde a transparência deveria ser exemplo, há sites fora do ar ou que não informam sequer os nomes dos parlamentares

Cida Alves e Marina Pinhoni
Câmara Municipal de Belo Horizonte está entre as quatro mais transparentes do Brasil, mas ainda deve informações aos eleitores 
Câmara Municipal de Belo Horizonte está entre as quatro mais transparentes do Brasil, mas ainda deve informações aos eleitores (Beto Novaes/EM/D.A Press)
 
Informação é fundamental para o exercício do voto consciente. Entretanto, se depender da transparência das câmaras municipais, nas eleições de outubro, a população ficará sem saber se deve confiar novamente seu voto ao candidato que elegeu no último pleito. O site de VEJA fez uma consulta nas páginas de internet das câmaras de 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal. A constatação foi que nenhuma delas oferece informações completas, claras e de fácil acesso sobre a presença dos políticos no plenário e nas comissões, a produção dos legisladores – quantos projetos apresentaram e sua relevância – e, principalmente, como os vereadores gastam o dinheiro público nas atividades de seu gabinete.
Dezenove câmaras divulgam dados de maneira incompleta, em diferentes níveis. Nas outras oito, a situação é crítica (veja no gráfico). Entre os exemplos de falta de transparência estão Maceió, que está com o site fora do ar; São Luís, que não informa sequer os nomes dos vereadores, e Belém, Teresina e Rio Branco, que estão com seus sites “em construção”. Apesar de ser composta por deputados distritais, e não vereadores, a câmara do DF foi incluída na consulta por ser a única do Distrito Federal e a título de comparação com as demais cidades.
Além de serem dados básicos que o eleitor tem todo o direito de saber para acompanhar a atividade dos vereadores, algumas dessas informações são de publicidade obrigatória nas páginas de internet das câmaras de acordo com a nova Lei de Acesso à Informação, que começou a valer em 16 de maio. Porém, os vereadores que compõem a “casa do povo” têm demonstrado certa resistência em serem fiscalizados pelo próprio povo, transformando as câmaras municipais em verdadeiras caixas-pretas.
"Não é por acaso que eles não fazem essa divulgação. A intenção é realmente ocultar", afirmou o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco. Mesmo com a Lei de Acesso à Informação, Castello Branco acredita que a promessa de transparência vai demorar a sair do papel. "Os poderes fazem esse discurso de politicamente correto, mas, na prática, não há nenhuma intenção real de ampliar a informação que é prestada ao público".

Em muitos casos, quando a informação existe na internet, ela está escondida ou em documentos indecifráveis para o cidadão - o que contraria a lei. “A má organização das informações é planejada, justamente para que as pessoas não tenham acesso a elas”, afirma Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, que com o projeto Excelências avalia a atuação dos parlamentares nas esferas municipal, estadual e federal.
A câmara de Porto Velho está entre as que não informam praticamente nada da atividade parlamentar em seu site. Quem pensa que conseguir a informação pessoalmente é mais fácil, se engana. “Vamos aos gabinetes e entregamos formulários pedindo dados sobre a atuação dos vereadores. Muitos simplesmente não respondem”, conta o professor de filosofia Jaderson Ferreira da Silva, que há 15 anos trabalha com um grupo que fiscaliza a atuação das câmaras em 32 municípios de Rondônia. “Chegamos a sofrer ameaças, porque a fiscalização incomoda e aqui ainda há muito coronelismo. Os políticos acham que são donos dos cargos que ocupam e que não precisam prestar informação à população. Há muita imaturidade por parte dos vereadores”, acrescenta.
A consulta que Ferreira faz nas câmaras de Rondônia foi a mesma feita pela reportagem do site de VEJA às casas legislativas das capitais. Foi questionado se nos sites há informação de presença dos vereadores nas sessões, a relação dos projetos que eles apresentam com o acompanhamento das matérias e quanto os parlamentares gastam de verba indenizatória, ajuda de custo e com os funcionários de gabinete. As câmaras de Porto Velho, Aracaju e São Luís não responderam. Em Macapá, o telefone informado no site não atende.
Exemplo Entre as casas que têm informação mais completa estão São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte. Elas só não alcançaram o nível máximo de transparência porque ainda não divulgam a lista de funcionários dos gabinetes e quanto cada um ganha. Segundo as assessorias de imprensa, a informação deverá ser incluída nos sites com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação.
Mas nem sempre a transparência reinou nessas casas. Em São Paulo, a mudança tem pouco mais de um ano, afirma Sonia Barboza, diretora da ONG Voto Consciente e coordenadora dos voluntários que fazem a fiscalização dos parlamentarem paulistanos há dez anos. “Era o cúmulo da burocracia. Cheguei a levar nove meses para conseguir saber a presença dos vereadores nas comissões. Em outra ocasião, precisei entrar na Justiça para saber os gastos de cada gabinete, e a câmara ainda ganhou a causa”, conta.
Para a coordenadora, o mínimo que as câmaras deveriam divulgar para os eleitores é o perfil e os contatos dos vereadores, sua presença em plenário, as atas das reuniões, os projetos de lei, os vetos e seus gastos de gabinete - tudo fácil de encontrar e em linguagem acessível. “Um princípio da administração pública fundamental é o da publicidade dos atos. Seja verba de gabinete, sejam os projetos, seja o salário dos funcionários, tudo isso deve constar de maneira mais clara possível para que a população possa acessar quando quiser”, acrescenta o cientista político e professor da UNB, João Paulo Peixoto.

A União dos Vereadores do Brasil (UVB) reconhece que a falta de transparência é a realidade de 90% das câmaras brasileiras. “Se nas capitais já está complicado, imagine no interior”, afirma o presidente da UVB, Gilson Conzatti, que é vereador em Iraí, município do Rio Grande do Sul com pouco mais de 8.000 habitantes.
Para ele, as casas devem demorar no mínimo um ano para se adequarem à Lei de Acesso à Informação – e uma das razões é a proximidade das eleições. Conzatti afirma que, na maioria dos casos, o problema não é dinheiro. “De recursos as câmaras estão bem, principalmente as capitais. O problema é cultural. Você imagina: uma vida inteira a gente não precisou apresentar nada e, de uma hora para outra, vem uma lei que manda fazer um monte de coisa”, argumenta.
Conzatti disse que será preciso “botar na cabeça” dos vereadores que a transparência não vai fazer mal para o legislativo. O presidente da UVB explica que, mesmo sendo o político que está mais próximo da população, o vereador muitas vezes não sabe o papel que tem na comunidade que representa. “Muitos acham que é só aprovar ou rejeitar os projetos do prefeito”.

Ferramenta – Já que muitas câmaras não fazem seu trabalho, resta a iniciativas populares tentar aumentar o alcance do cidadão às informações públicas. Em São Paulo, o coletivo Transparência Hacker - grupo que desenvolve aplicativos e ferramentas para facilitar o acesso a dados públicos - criou em novembro de 2011 o site Queremos Saber, uma tradução adaptada à legislação brasileira do site em inglês What do They Know. A proposta é ajudar o cidadão comum a fazer seu pedido de informação em meio ao caos dos canais de comunicação dos órgãos públicos.
“Basta a pessoa escolher o órgão e informar o que quer saber, que o próprio site envia o pedido para a instituição. O andamento da solicitação e o prazo para a resposta podem ser acompanhados não só por ela, mas por todos. Se o prazo expira, uma mensagem de aviso é enviada automaticamente”, explica Tiago Cardieri, um dos responsáveis pelo projeto. Até hoje, foram cadastrados no site 5.695 órgãos públicos e encaminhados 538 pedidos de informação.

Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/camara-municipal-a-%E2%80%9Ccasa-do-povo%E2%80%9D-se-transformou-numa-caixa-preta

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