A Comissão Nacional da Verdade espera encontrar respostas para uma série de perguntas sobre violações de direitos
humanos de indígenas brasileiros entre os anos de 1946 e 1988. Quantos
podem ter morrido devido aos impactos das obras de infraestrutura
durante o regime militar? Índios foram torturados ou mortos por serem
considerados um entrave à política desenvolvimentista? Quantos passaram
pelas prisões indígenas cuja história começa vir a público? A comissão
vai se basear em depoimentos e na análise de documentos históricos do
período para chegar às conclusões.
“A comissão ainda está coletando os primeiros elementos para remontar o
que de fato ocorreu nesse período, mas, aos poucos, fui percebendo que
há um vasto campo de investigação de violações dos direitos das
populações indígenas que, na época, eram consideradas mero obstáculo ao desenvolvimento”,
disse à Agência Brasil a psicanalista Maria Rita Kehl, responsável por
coordenar a apuração das denúncias sobre violações aos direitos
indígenas no período.
Para especialistas como o vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais
de São Paulo, Marcelo Zelic, algumas dessas questões podem ter sido
esclarecidas há 44 anos, quando o então Ministério do Interior criou uma
comissão de inquérito administrativa para apurar denúncias contra o
Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão que antecedeu a Fundação
Nacional do Índio (Funai), criada em 1967.
Desde 1963, quando foi alvo de uma comissão parlamentar de inquérito
(CPI), pairavam sobre o SPI suspeitas de que alguns funcionários teriam
dilapidado o patrimônio indígena, escravizado índios, explorado
sexualmente índias, repassado terras indígenas a empresas
particulares e até mesmo participado de atos classificados como
genocídio. As denúncias voltaram a ser discutidas anos depois, em duas
novas CPIs, em 1968 e 1977.
Documento desaparecido
Em 1968, a comissão de inquérito administrativa produziu um documento
que ficou conhecido como Relatório Figueiredo, referência ao presidente
da comissão, o ex-procurador Jader Figueiredo Correia. Convidado para a
função pelo ex-ministro do Interior general Afonso Augusto Albuquerque
Lima, Figueiredo esteve à frente do grupo que, por quase um ano, durante
o regime militar, percorreu o país para apurar as denúncias de crimes
cometidos contras a população indígena. O documento, no entanto,
desapareceu. Segundo a versão mais conhecida, as mais de 5 mil páginas
do Relatório Figueiredo foram consumidas por um incêndio no Ministério
do Interior.
Por causa do relatório, o Ministério do Interior, em setembro de 1968,
recomendou a demissão de 33 pessoas; a suspensão de 17; a cassação da
aposentadoria de um agente de proteção aos índios e de dois inspetores.
Além disso, apontou a atuação de outros envolvidos cuja punição não era
de competência do Executivo. Posteriormente, muitos funcionários punidos
foram inocentados na Justiça e retornaram ao trabalho. O desgaste, no
entanto, foi tão grande que, o próprio ex-ministro Albuquerque Lima
admitiu, durante depoimento em 1977, que "por culpa de algumas dezenas
de servidores menos responsáveis"
não havia mais condições de manter o Serviço de Proteção aos Índios e
por isso, em 1967, ele foi substituído pela Funai, que assumiu também as
atribuições do Parque Nacional do Xingu e do Conselho Nacional de
Proteção ao Índio.
“O Relatório Figueiredo é um documento importante, cuja única cópia
desapareceu convenientemente durante o regime militar. Embora não
respondesse a todas as perguntas que a Comissão da Verdade vai procurar
saber, ajudaria a jogar luz sobre um período a respeito do qual há
poucas informações, que antecede a substituição do SPI pela Funai, pouco
antes da conclusão do relatório”, comentou Zelic, que coordena a
pesquisa Povos Indígenas e Ditadura Militar a fim de oferecer subsídios à
Comissão da Verdade.
A pesquisa conta com o apoio da Associação de Juízes pela Democracia e
da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Para Zelic, além
do Relatório Figueiredo, é importante resgatar a íntegra dos documentos
produzidos pela CPI do SPI (1962-1963) e das CPIs do Índio, de 1968 e
de 1977.
Fonte: http://odia.ig.com.br/portal/brasil/documentos-hist%C3%B3ricos-ser%C3%A3o-usados-para-apurar-crimes-contra-ind%C3%ADgenas-1.494566
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