Ivan de Carvalho
Já está em vigor a Lei de Acesso à Informação, mas o governo e a burocracia estatal estão resistindo bravamente. Já era mesmo de se esperar. Há toda uma mentalidade secular no país de que os negócios de Estado são da conta apenas dos governantes e seus funcionários.
Por esta mentalidade, a sociedade, o povo, do qual, nas democracias, emana o poder e em nome do qual é exercido, não tem que meter o bedelho nesses negócios e, como diriam os franceses se falassem português, “amaldiçoado seja quem pensar mal dessas coisas”.
É evidente que em muitíssimos casos – podemos chegar facilmente
a essa conclusão, quando levamos em conta o espantoso e ostensivo grau
de corrupção e de outros desvios que a administração pública atingiu no
Brasil – a resistência ao cumprimento da lei decorre do desejo de manter
segredo a respeito de miríades de “malfeitos”.
“O que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”,
ensinou, pensando que não era ouvido pelo país, o embaixador Rubens
Ricúpero, quando ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, embora em
um contexto que, justiça se faça, não envolvia a corrupção, mas
envolvia o gravíssimo e antidemocrático erro de manter a população em
ignorância sobre os altos e baixos dos primeiros meses do Plano Real.
Significava que ele e o governo buscavam mostrar apenas os altos e
esconder os baixos.
Em outra multidão de casos que começaram a ocorrer e também,
como os da primeira categoria, se multiplicarão, a resistência à
prestação de informação tornada obrigatória pela Lei de Acesso decorre
não de um objetivo de ocultar o malfeito, mas de uma cultura da
burocracia que vê como uma propriedade sua o conhecimento dos negócios
estatais, não raramente por puro deleite, pelo prazer de saber coisas
cujo conhecimento nega aos cidadãos comuns – uma sensação de poder.
Bem, passando das avaliações aos fatos. Para fugir da obrigação de
divulgar dados públicos, o governo está reclassificando documentos como
sigilosos, para que passe a ter supostamente justificativa para negar
pedidos de informação. Não fosse a nova lei, tais documentos
continuariam sem classificação de sigilo, na verdade de livre consulta, e
o governo arbitrariamente os manteria sob reserva, escondendo-os da
sociedade, se lhe interessasse.
Mas, a entrada em vigor, em 16 de maio, da referida lei,
determinando a obrigatoriedade da prestação da informação, deflagrou uma
vergonhosa e ridícula – mas maligna, porque de espírito autoritário e
de desrespeito à lei que busca driblar – corrida para carimbar como
reservados documentos que assim não haviam sido considerados antes.
O carimbo, a depender do grau de sigilo imposto, pode manter o
documento fora do raio de ação da Lei de Acesso à Informação pelo prazo
mínimo de cinco anos e máximo de até 25 anos. A nova lei, que tem a
transparência como objetivo e pode ser um poderoso instrumento contra a
corrupção e outros “malfeitos”, está funcionando mal no governo da
presidente Dilma Rousseff, como demonstrou ontem ampla reportagem do
jornal O Estado de S. Paulo.
Alega-se risco “à segurança da sociedade e ou do Estado” para negar até informações sobre convênios rotineiros, como, no Ministério da Ciência e Tecnologia, dados sobre uma parceria com entidade sem fins lucrativos para realização de palestras e cursos de acessibilidade que facilitem a inclusão de pessoas com deficiência.
Alega-se risco “à segurança da sociedade e ou do Estado” para negar até informações sobre convênios rotineiros, como, no Ministério da Ciência e Tecnologia, dados sobre uma parceria com entidade sem fins lucrativos para realização de palestras e cursos de acessibilidade que facilitem a inclusão de pessoas com deficiência.
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