terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Memória da Bahia está em risco por descaso com o Arquivo Público

Tendo sido a primeira capital brasileira, é de se esperar que Salvador guarde importantes documentos da história do Brasil. O que não se espera é que esses documentos estejam em estantes cobertas, improvisadamente, por plásticos para que goteiras no prédio que os guardam não os destruam. A falta de pessoal qualificado agrava a situação.
Para Fátima Fróes, diretora da Fundação Pedro Calmon, entidade responsável pelo arquivo estadual, antes de ser um problema de descaso dos governos estaduais, trata-se de uma questão cultural que atinge todo país. “Os brasileiros não têm a cultura de valorizar sua memória. Estamos tentando mudar essa realidade, através da organização política de quem trabalha com o tema no país”, conta.
Enquanto isso não acontece, entra governo e sai governo, e os problemas do APEB vão sendo remediados lentamente, enquanto as traças fazem seu trabalho com rapidez e eficácia. O edifício histórico, construído no século XVI, sede do arquivo, está localizado numa área da cidade cujo nome anuncia o perigo para os documentos históricos: Baixa de Quintas. Baixa por estar em uma depressão, o que facilita o acúmulo de água em seu terreno. O prédio sofre com a umidade e a deterioração pelo tempo.
Para Tereza Matos, diretora do Arquivo, o ideal seria a transferência da instituição para outro prédio, de preferência novo. “Desde o governo de Paulo Souto, estamos pleiteando um novo edifício. O perfeito seria que ele ficasse no Centro Administrativo da Bahia, pois as principais demandas do arquivo vêm das secretarias”. Ela conta ainda que um estudo chegou a ser feito pelaFaculdade de Arquitetura da UFBA para a construção do prédio, em 2007, mas o projeto não saiu do papel.
Fatima Fróes confirma que não existe a possibilidade da construção de um novo prédio, ao menos nesse governo. “Buscamos soluções mais realistas e imediatas”, explica. Segundo ela, a Fundação Pedro Calmon tem procurado um edifício, entre o acervo arquitetônico do estado, para sediar, ao menos, uma parte do arquivo. “É difícil encontrar um prédio que tenhas as especificações técnicas necessárias”, explica.
Ela, no entanto, informa que o prédio da Baixa de Quinta não está tão distante de se tornar um local adequado para o arquivo. Segundo ela, foram feitos estudos no local e constatado que a umidade não é tão destrutiva como se pensava e o outros problemas também são contornáveis. Froés conta que além do processo de requalificação pelo qual o prédio vem passando, existe um grande projeto de restauração cujo estudo será finalizado em janeiro. “Serão cerca de R$ 7 milhões investidos, que devem ser viabilizados através de editais culturais de entidades como o BNDES”, conta.
Melhorias
O projeto para melhorar a situação do arquivo, sem a construção de um prédio novo, está dividido em três partes. A primeira já está em andamento e em sua primeira fase foi restaurada a parte elétrica do térreo. Para a segunda fase ser iniciada está faltando apenas a liberação da Superintendência de Construções Administrativas da Bahia (Sucab), pois a verba já está disponível há seis meses, segundo a coordenadora de pesquisa, Rita de Cássia Rosado. Nela, o primeiro andar do prédio terá uma reforma no teto e no forro, pré-requisito para a requalificação da parte elétrica. No primeiro andar ficava a sala de pesquisa do arquivo, que está fechada desde começo de 2012. Os pesquisadores usam uma sala menor, improvisada, no térreo.
A segunda parte do projeto seria encontrar um prédio para onde parte do arquivo seria transferido. A importância de mais espaço é explicada por Rita de Cássia Rosado. “Uma das nossas atribuições é recolher novos documentos. Temos material do Império até a Velha República, a partir daí, nada foi recolhido por falta de espaço”, explica. Caso um prédio com as especificações técnicas necessárias não seja encontrado, a Fundação Pedro Calmon tem um plano B. A ideia é construir, no terreno onde está o arquivo, um moderno anexo. A terceira parte do projeto será a grande restauração do prédio que está sendo preparada.
A historiadora Eneida Oliveira, mestranda da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), não tem dúvidas que o Arquivo Público da Bahia está longe de oferecer as condições ideais para os pesquisadores, nem para a manutenção de seu acervo. “Passei quase dois anos sem vir aqui e em alguns aspectos houve uma piora”, disse. Um dos aspectos citados por ela é a condição dos documentos. “Estou pesquisando documentos que já vi antes e muitos estão em piores condições. As restaurações, em alguns casos, ao invés de melhorar, pioraram suas condições”, relata.
Eneida Oliveira acredita que, além do espaço físico ser inadequado, o arquivo sofre também de falta de pessoal qualificado. “É fácil encontrar em algumas restaurações páginas coladas. Em outras fizeram uma costura que acabou escondendo informações. E muitos outros, por falta de manutenção, simplesmente se deterioraram ao ponto de não servirem mais para pesquisa. Não acredito que eles tenham pessoal qualificado para o trabalho”, conta, ressaltando que o atendimento pessoal aos pesquisadores é um dos aspectos positivos do arquivo.
A estudante de Arquitetura, Natália Tavares está pesquisando o urbanismo na Era Vargas há três meses e não esconde a decepção com a manutenção dos documentos pesquisados. “Muitos estão comidos pelas traças ao ponto de não servirem para pesquisa, outros estão com as páginas grudadas ou cheio de poeira, até o catálogo da época republicana não é bem organizado. Eu nunca entrei nas salas onde eles são arquivados, mas já me falaram que tem muita umidade, o que deve explicar a situação dos documentos”, conta.
Falta de pessoal
A diretora Tereza Matos admite que além das condições físicas, o Arquivo Público da Bahia sofre com a falta de pessoal especializado. Ela explica que um arquivo deve contar com três categorias de suma importância para o seu funcionamento adequado: historiadores, arquivistas e restauradores. Em todas elas, o arquivo conta com a metade, ou menos, do número ideal de profissionais. O cargo de arquivista, para piorar a situação, é de confiança, ou seja, não há funcionários do estado nessa área e eles podem deixar o cargo a qualquer hora.
O arquivo conta hoje com três historiadores, quatro arquivistas (seriam necessário mais seis) e três restauradores (seriam necessário mais cinco). Segundo a coordenadora de pesquisa, Rita de Cássia Rosado, o problema é agravado pelo fato de a equipe necessitar de férias e licenças. “Há também a questão da aposentadoria”, lembra.
Problema cultural
Segundo Fátima Fróes, o problema do Arquivo Público da Bahia passa por um problema cultural que atinge todo o país. Mas ela admite que a solução é uma responsabilidade, primeiramente, dos setores que lidam com arquivos e memória. “Somos nós que temos que chamar a atenção para o fato de que o Brasil ainda não dá a devida importância à questão. Precisamos nos organizar e começar a articular um movimento de mudança dessa realidade”, disse.
Ela informa que algumas medidas nesse sentido já estão sendo tomadas. “Estamos fortalecendo o colegiado setorial de arquivo e memória, que é parte do Conselho Estadual de Cultura. Isso ajudará a adquirirmos poder político para fazer com que nossos pleitos sejam atendidos e para que a questão da memória no país seja revista”, disse.
Ela conta que entre os pleitos já apresentados aos órgão nacionais de cultura, consta alguns que solucionariam problemas da Apeb. “Pleiteamos concursos públicos para aumentar o número de pessoal, por exemplo”. Fróes, no entanto, explica que a Fundação Pedro Calmon não está esperando que esses pleitos sejam as únicas fontes de solução. “Para remediar a falta de pessoal, estamos trabalhando com a possibilidade de convênios com as universidades”, conta.   

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